A companheira raiva.
- Taty Mendes
- 23 de ago. de 2021
- 2 min de leitura
Fiquei surpresa ao perceber quanta raiva existe dentro de mim. A raiva se expressava nas doenças respiratórias provocadas pelo "não falar" e, mais gravemente, pelo "não gritar". Depois ela se esgueirava sorrateiramente por meio da dor de garganta e das crises de sinusite. Agora, ela se encontra aqui, em uma tireoide que tenho que vigiar e nos músculos enovelados do meu pescoço e ombro.
Minha companheira raiva, agora eu te vejo.

Eu aprendi a dizer que não sentia raiva de ninguém, apenas mágoa. Então Ermance Dufaux acabou com a minha desculpa e disse no livro "Emoções que Curam" que a "mágoa é a raiva que perdura no tempo". Então, se a mágoa é a mesma raiva, ela certamente mora em mim, mas onde ela está?
Busquei olhar para a minha criança pequena, incompreendida e perdida num mundo de adultos. Ah, a minha criança sentiu muita raiva. Raiva pelas ausências, raiva pelas presenças que tentavam inutilmente suprir as ausências e raiva por não ser vista. Minha criança sentiu muita raiva, mas ela foi calada.
Um ser algoz calou a minha criança e lhe disse "É feio sentir raiva, você deve perdoar sempre". Em outros momentos este mesmo algoz lhe disse "Se você mostrar a raiva, não será querida por todos, pois você deve ser uma criança boazinha para ser amada."
Agora, adulta, encaro frente a frente este algoz no espelho e vejo a criança. Abraço ela bem apertada e digo a ela que está tudo bem sentir raiva. A raiva faz parte da vida. A minha criança me perguntou com aquele olhar infantil:
"Como faço para sentir raiva?"
"Não sei, minha criança, ainda estou aprendendo a colocar esta raiva para fora."
Um dos textos mais instigantes sobre a raiva para mim é o conto "O Búfalo", do livro Laços de Família de Clarice Lispector. Ele conta sobre uma mulher que queria encontrar o ódio e foi buscá-lo no zoológico. Ela o buscou infrutiferamente em todos os animais até ver o olhar do búfalo.
"O búfalo voltou-se, imobilizou-se, e a distância encarou-a. Eu te amo, disse ela então com ódio para o homem cujo grande crime impunível era o de não querê-la. Eu te odeio, disse implorando amor ao búfalo." Do Livro Laços de Família - O Búfalo
Desde a minha adolescência este é o meu conto preferido, O Búfalo. Talvez por que eu me veja na mulher que buscava entender o ódio e entender, assim, a si mesma.
O fato é que quando dei voz para a criança, permitindo que ela sentisse raiva livremente, gritasse, chorasse e odiasse todos, o mar de emoções se acalmou. A adulta aqui pôde finalmente ouvir uma música, dançar, andar de bicicleta e se divertir liberta.
Eu e a criança conseguimos finalmente olhar para aquelas pessoas das ausências e das presenças com amor, pois a raiva tinha se esvaído. Da mesma forma que a mulher da Clarice Lispector morreu e matou o búfalo para depois renascer, eu também morri vendo a raiva e depois renasci para uma nova vida.
Luz e paz.
Que bom deve ser gritar o que sente, deve dar uma sensação de libertação.