O leitor pode estranhar esta fala, mas há pessoas que vivem dormindo. Elas trabalham, comem, se reproduzem, pagam contas e fazem isto tudo dormindo. São Alices que preferem viver em um mundo como se estivessem anestesiadas, levadas por um mar de reclamações. As Alices não são responsáveis por nada, são apenas vítimas.
Reconheço que quando vivemos um contexto mais difícil, as nossas realizações são mais complexas mesmo. Uma família desestruturada, a limitação financeira, o uso de drogas na família, um abandono de pai ou de mãe, enfim, passamos por desafios enormes na vida. Cada um com a sua história. No entanto, não dá para se tornar um adulto e permanecer sofrendo e se fazendo de vítima por um passado do qual você não tem controle algum sobre ele. Você pode escolher permanecer dormindo e reclamando ou escolher despertar e tomar as rédeas da vida.
Ao acordar, as Alices se dão conta que a vida está passando e que um grande vazio a está preenchendo. A depressão chega e com ela a vontade de permanecer na cama e de esperar a vida passar diante dos olhos. Então, elas dormem novamente.
Geralmente estas pessoas são despertadas por algum fato que chamo de “Despertador Divino” e no caso da história da Alice ela é despertada após vencer do grande dragão da Rainha de Copas. O Despertador Divino pode ser um câncer, um filho não planejado, um amor que chega ou que vai embora, uma grande crise financeira, uma dor, a espera de um resultado de um exame médico, o falecimento de um ente querido ou uma chuva inesperada. Cada um tem o seu Despertador Divino, mas não dá para continuar dormindo depois que ele toca.
Aí vem o problema. O que fazer ao acordar? Alice ama viver no País das Maravilhas, pois nele ela é surpreendida por um mundo que não é o dela. Ao acordar descobrimos que somos atores principais deste mundo e as nossas ações, os nossos pensamentos e desejos criam a realidade em que estamos inseridos.
Você deve estar se perguntando, mas como viver acordado?
O que eu ganho com isto?
O termo despertar é muito antigo. Remonta às antigas crenças Hindu, Budista, as filosofias Yoggis e até mesmo na Bíblia.
Por isso é que foi dito: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e Cristo resplandecerá sobre ti”. [1]
A mensagem do despertar também se encontra em vários contos como “A Bela Adormecida” em que o príncipe desperta a princesa, a salva da maldição e eles vão viver em um castelo em uma montanha, perto das nuvens. Todo o trabalho de grandes mestres da humanidade foram para nos tornar despertos e, então, libertos para que sejamos autores da nossa própria existência.
O Buda então disse: “Queridos amigos, eu entendi profundamente que nada pode existir apenas por si, mas que tudo está interrelacionado com tudo o mais. E entendi também que todos os seres contêm em sua natureza o potencial para despertar.” [2]
Desta forma, o ser desperto é aquele que consegue se ver inserido no contexto, participante dele, mas sem se deixar levar por ele. Todas as suas ações, pensamentos e desejos contribuem para a construção da realidade. O processo do despertar nos tira do lugar de coadjuvante e nos permite ver que as escolhas que fazemos em cada momento das nossas vidas têm consequências. As escolhas são as nossas falas, o nosso calar, os nossos pensamentos, as nossas atitudes. Tudo define a nossa realidade.
“O Buda disse: “Quando uma pessoa sábia sofre, ela se pergunta: ‘O que posso fazer para me libertar dessa dor? Quem pode me ajudar? O que tenho feito para me livrar deste sofrimento? Mas quando uma pessoa tola sofre, ela se pergunta: ‘Quem me fez passar por isso? Como posso mostrar aos outros que sou uma vítima injustiçada? Como posso punir aqueles que me causaram esse sofrimento?” [2]
Quando entendemos que somos co-criadores do universo tudo muda. A Alice acorda do País das Maravilhas e a responsabilidade recai sobre ela. Passamos a pensar mais no que falamos, fazemos ou imaginamos e não jogamos a culpa nos outros, no passado ou no contexto. O Ser Desperto simplesmente segue em frente. Quando você estiver apontando o dedo para o outro ese fazendo de vítima, grite para você mesmo: “acorda Alice”.
Referências
1 – Bíblia. Carta de Paulo aos Efésios, 5:14
2 – A Essência dos Ensinamentos de Buda. Autor Thich Nhat Hanh, Editora Rocco, Tradução de Anna Lobo, Rio de Janeiro, 2001.
Opmerkingen