O espartilho
- Taty Mendes
- 8 de jan. de 2022
- 3 min de leitura
Quanto mais estudo a psicologia, mais compreendo que a infância é a fase mais importante para a estruturação do ser. Eu conheci uma menina muito inteligente, bonita e divertida, mas sabendo da sua infância, pensei “como você deu certo?”. Sabe, pensando bem, talvez seja justamente a infância conturbada da menina que a fez chegar até aqui, mas para ir além ela precisou se libertar dessas amarras.
Com uma infância marcada por tantos abandonos seria natural e até esperado que a menina crescesse buscando ser amada. O amor viria se ela fosse boazinha, obediente e tivesse boas notas na escola. Ela ouvia constantemente “não fez mais do que a sua obrigação”. Duro isso, né? Ela aprendeu que precisava ser alguém prestativo e que, definitivamente, não dava trabalho. Não era cena dela, era questão de sobrevivência. A menina precisava não dar trabalho para não ser abandonada. Pelo menos era isso que ela me disse que sentia.
O problema é que a menina cresceu e continuou a buscar ser amada desse jeito esquisito. Ela continuou a acreditar que tinha que ser obediente, inteligente, superar tudo e todos. Mais tarde ela também aprendeu que tem que ser forte e que ela dá conta de tudo. Parece que na adolescência vestiram nela um espartilho bem apertado. Daqueles que não deixava que ela respirasse e nem subir em árvores. Mesmo assim ela tinha que sorrir e continuar de cabeça erguida, afinal ela era ótima, não é mesmo?
Então veio o casamento e o filho. Aí, além de ser muito boa na carreira, ela também decidiu, agora por conta própria, apertar o seu espartilho mais um pouquinho e ser a super mãe e a super esposa. Claro, vieram a depressão, remédios, obesidade. Enfim, o corpo gritou, pois alguém tinha que fazer algo por esta louca, nem que fosse pelo adoecimento.
A menina, já mulher, começou a perceber que ela estava usando o espartilho que ela nem se lembrava mais, já tinha se acostumado a não respirar. Ela soltou as primeiras fitas e… ufa… um suspiro de alívio. Ela se libertou do casamento que não era o que ela queria, e descobriu que o filho, por mais que precisasse dos seus cuidados, é um ser livre… ufa… mais uma fita se afrouxou. Agora que ela possui uma vida financeira estabilizada ela pensou em afrouxar outra fita um pouco mais, na vida profissional… ufa… como é bom respirar.

Ela ainda usa o espartilho, mas cada dia uma nova fita é solta e neste momento, ela descobriu que dá para correr livremente e até subir em árvores, pois o espartilho não aperta mais. O fato é que todo medo de errar e de decepcionar os adultos ensinaram a menina a ser boa naquilo que ela faz, pois ela se empenha em fazer o melhor, mas verdadeiramente, ao abrir mão do medo de errar a menina aprendeu a voar e voa cada vez mais alto.

Ela está descobrindo como é divertido cuidar de seus cabelos cacheados e usar grampos dourados de um lado só. Aqueles que ficam caindo, mas não tem importância, na imperfeição ela se curte ainda mais. Ela também descobriu que pode encontrar prazer no trabalho, fazendo o que gosta, e isso trouxe ainda mais visibilidade e elogios. Ela também descobriu que amigos vem e vão e que pessoas que não se importam com ela não têm tanta importância assim. Os que se importam de verdade ela os traz no coração, para sempre.
Todos os dias ela se pergunta, o espartilho ainda está aqui? Então ela pensa em qual fita deve soltar desta vez, ou seja, qual das fitas ela está pronta para soltar.
E digo de coração, ela está adorando o processo de autoconhecimento e libertação pessoal.
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